Monday 19 July 2010

Nr. 4: os homens tratam-se mal e gostam (enfim)



Lembro-me muito claramente de uma das primeiras vezes em que percebi que nem toda a gente tinha uma mãe como a minha: foi quando um rapaz pediu a uma amiga minha que lhe apertasse os cordões dos sapatos e ela, que estava muito apaixonada por ele, acedeu. Comigo isto nunca poderia ter acontecido: eu ainda não tinha feito dez anos quando a minha mãe me sugeriu discretamente que tratar os meus pretendentes com especial pouca consideraçao podia ser uma boa ideia. Uma ideia reforçada por uma máxima que a minha avó levava a mal a todas as (outras) mulheres bem amadas: isto para os homens, minha filha, quanto pior melhor.

Acho que isto foi pouco antes da quarta classe, porque no último ano da primária eu já tinha conquistado desta forma o Pedro, que era da turma do lado. Todo o recreio ele me perseguia: ele dizia-me como gostava de mim, eu dizia-lhe como ele era estúpido, ele como eu era bonita, eu como ele era presumido.

Mas claramente estava ali a faltar alguma coisa e eu sofria muito: tinha-o conquistado mas não sabia o que fazer com ele, tirando tratá-lo mal e fugir-lhe enquanto o seu interesse se mantinha. Algo me estava ali a faltar.

Só muitos anos depois percebi o delicado balanço entre ignorar uma pessoa e sufocá-la de atenção, entre o antes, o depois e os muitos durantes de uma conquista, o momento a partir de qual se deve trocar a sobranceria pelos bateres de pestanas entusiasmados, os mesmos pelo mimo, o mimo por outras coisas mais interessantes e tudo isto de novo por um pequeno olhar sobranceiro mas, mesmo sendo a sua validade francamente limitada, esta é a primeira lição da minha mãe de que me lembro.

(se alguém conhecer o Pedro da escola primária nr. 3 de Almada, digam-lhe que eu o amava muito e que, vitoriosa e tristonha na minha cama, sofri certamente mais do que ele) (a fotografia é deste senhor)

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